rua-direita rua-direita publicou: Não perca o fio...!
Os trapos constituem a inquietação primordial de muita gente um pouco por todo o lado, e não apenas dos estilistas que os concebem e comercializam; aliás, estes assoberbam-se de trabalho precisamente porque outros lho consomem e encomendam. É na transição de estação que o desassossego mais se instala. A roupa que se usava no ano anterior por aquela altura revela-se, de repente, inadequada e até obsoleta. Para além de que, se uma coisa da semana passada já enjoa e está fora de moda, o que dizer de um conjunto de peças prestes a completar um ano?... Teriam idade suficiente para caminharem de per si para o lixo, certo? De facto, a noção de modernidade e actualização no campo do vestuário assemelha-se, cada vez mais, ao mesmo conceito em termos informáticos. E o mais engraçado é que ambos atravessam o domínio das energias, já que tudo tende a acontecer “à velocidade da luz”…

Todavia, nem sempre houve esta mesma disponibilidade de tempo e de recursos para dar cumprimento aos próprios gostos e exaltar a elegância do seu corpo ou, pelo contrário, tentar esconder ou disfarçar curvas menos estéticas ou a ausência delas. Antigamente, vestia-se o que se tinha, amiudadamente “herdado” de alguém ou ofertado em segunda ou terceira mão, e as pessoas contentavam-se com isso, dando graças por tê-lo, ligando mais à qualidade e à limpeza daquilo que envergavam do que a usos que nem conheciam.

Durante a Segunda Guerra Mundial, por exemplo, o racionamento de tecidos que se verificou (alguns destes, como a seda, eram utilizados no fabrico de pára-quedas, máscaras de gás e outros utensílios de guerra), obrigou as mulheres, que são, geralmente, quem mais se preocupa com a imagem pessoal, a uma maior criatividade e flexibilidade no que se referia à manutenção de uma certa postura e aparência. Assim, estas modistas de ocasião recorriam às cortinas e aos lençóis lá de casa para corte de roupas que elas mesmas executavam de acordo com as suas preferências e o certo é que andavam todas janotas, exibindo orgulhosamente os padrões “emprestados” pela cozinha, casa de banho ou sala. Já para não mencionar os collants, cuja falta era colmatada com desenho, a carvão, da suposta costura (tão direita quanto possível). Não se pode aqui aplicar a avaliação directa do “produto” (a mulher nestas condições) pela “embalagem” (o melhor que ela pôde fazer com o que dispunha), porque não seria justo, dada a escassez de alternativas, mas é da mais elementar rectidão reconhecer-lhes o mérito, o moral elevado, a vontade que não deixaram morrer e o facto de, ante tamanhas dificuldades, nunca terem perdido o fio…!