
A anorexia é uma patologia associada a uma distorção da imagem do próprio corpo e à baixa autoestima, que tem como prerrogativa essencial o medo doentio de engordar, conduzindo a um controlo obsessivo da quantidade de alimentos ingeridos, no âmbito de uma restrição alimentar continuada. Considera-se anorética uma pessoa que esteja entre 10 a 15 por cento abaixo do peso médio estipulado para a idade, sexo e altura. Não obstante, há que dispensar atenção constante aos hábitos alimentares, pois a privação de alimentos, mesmo que a pessoa se mantenha ainda dentro do intervalo de peso recomendado, é prejudicial à saúde e em pouco tempo pode originar um quadro de anorexia.
As pessoas que padecem de anorexia acham-se, regra geral, gordas e a figura do corpo que o espelho devolve apresenta-se, incontestavelmente, disforme. Se a representação mental de uma refeição tem o poder de a tornar mais ou menos apetitosa, a imagem da aparência corporal auto-apreendida transpõe, de igual modo, os limites físicos do corpo. A figuração que um anorético faz do seu próprio corpo, isto é, a forma como ele o concebe, não é congruente com a realidade da sua constituição. Por muito que o seu corpo se apresente descorado e fraco, ele vê gordura em todos os poros e essa insatisfação permanente é que impulsiona a abstinência resoluta e incessante, que apenas culminaria no apagar de todos os contornos corporais. O “culminaria”, em detrimento do “culmina”, quer referir-se à impossibilidade de o anorético alcançar tão almejada meta, porque, para ele, esta encontra-se, invariavelmente, longe.
Com a progressão da doença, o distanciamento entre a imagem real do corpo e a autoimagem percebida cresce e a lipofobia também. Instala-se um prazer mórbido pela magreza, que nunca é suficiente (há sempre que perder um pouco mais de peso) e o excesso é um inimigo latente. Sendo assim, a tentação de prosseguir assume legitimidade e surge um gosto mórbido de se tocar e sentir as costelas a espetarem as mãos, cadavéricas, por sinal, mas onde o doente consegue detetar bolsas adiposas, de ver sulcos a formarem-se por todo o corpo e a ficarem cada vez mais profundos, enfim, desencadeia-se um mecanismo extremamente perigoso de falso controlo e compensações ilusórias.
A efígie corporal não é dada apenas por impressões ou sensações tácteis, mas advém, simultaneamente, de todo um imaginário povoado de imagens, com origem em relações com coisas, acontecimentos ou pessoas, cuja perceção tem um papel decisivo no conceito do próprio corpo. O corpo não se confina a um espaço físico nem as suas linhas definem o limite da individualidade; pelo contrário, ele representa meio de abertura ao espaço social, incorporando inputs do mundo e recebendo dele marcas mais ou menos indeléveis, mas inevitáveis. Para alguém com anorexia, qualquer conjuntura e condição está matizada pela imagem defeituosa que tem de si mesmo e que se exprime pelo descontentamento com a dimensão do seu corpo e o consequente desejo, que passa a ser uma necessidade, de perder peso. O quotidiano, a convivência com os outros, a rede de relações afetivas e todas as áreas da sua existência, que a dado ponto se poderia apelidar de sobrevivência, são afetadas.
A negação da gravidade do próprio estado físico é um indicador de anorexia e revela-se na incompreensão dos limites do seu corpo e na maneira alucinada de encarar o baixo peso. O aspeto de cadáver andante, a pele ressequida e pálida, a queda de cabelo e outros sinais evidentes de comprometimento da saúde podem não ser mote bastante para quebrar a inflexibilidade do caminho autoimposto de abstinência e purgação, nem suscetíveis de levar à mais insignificante mudança de comportamento. Põe-se a vida em risco em nome de um projeto de emagrecimento sem freio, desconsiderando completamente os perigos, que se conhecem bem, no contexto de uma “insanidade lúcida” ou uma “lucidez insana”. Por incrível que pareça, apesar das informações a respeito da anorexia, bulimia e obesidade, esta situação não é vista pelo próprio indivíduo como um problema.
Desengane-se quem pensa que a anorexia é um problema exclusivo das mulheres. Estudos efetuados indicam que a doença está a progredir avassaladoramente entre os homens, sendo que o preconceito em aceitar ser-se portador de uma patologia tida como feminina é um entrave ao tratamento. Vive-se, nos tempos que correm, uma alteração no padrão de beleza masculino (pela qual as mulheres já passaram há algumas décadas), expressada, por exemplo, através do aumento de anúncios de beleza e cuidados estéticos nas revistas masculinas, que motiva a procura de um corpo esguio, com músculos bem definidos.
A anorexia apresenta uma taxa de incidência crescente. Adolescentes e jovens (e, em casos mais pontuais, crianças), com pouca autoestima, amiúde gordinhos, veem na perda de peso uma via para se sentirem mais bonitos e melhor aceites pela sociedade. O culto do corpo implícito numa cultura que estimula os extremos, favorecendo a falta de limites internos e sociais, aporta uma dificuldade enorme em saber quando refrear, como parar.
A anorexia é mais frequente nos jovens (devido à pressão que sofrem, ao desejo de inserção num grupo, à formação da personalidade), mas os especialistas advertem já para a sua ocorrência em idosos, que representam 78 por cento das mortes por esta doença.
Não existe uma única causa para a anorexia, mas concebe-se uma dinâmica causal, que é concomitantemente genética, biológica, psicológica e cultural, fazendo com que seja necessário dar prioridade a todas as suas dimensões e olhares.
Os sintomas não são iguais em toda a gente (a saúde não é estática!), mas é de salientar que a anorexia, a par de outras enfermidades do foro alimentar, é a principal causa de morte em mulheres entre os onze e os vinte anos em todo o mundo.