rua-direita rua-direita publicou: Uma Noite não são Dias
«Uma Noite não são Dias» é uma história de subversão, por assim dizer, de Mário Zambujal. As 128 páginas deste livro publicado pelas edições Planeta foram escritas primeiramente em papel e só depois foi permitido à tecnologia intervir. O papel e a tinta constituem a principal fonte de expressão do autor e rejeitá-los em favor de outros métodos soaria a traição de uma longa relação de grande união e cumplicidade. A sequência mente-mão sairia, com toda a certeza, beliscada e a viagem até ao ano 2044 poderia sofrer alguma conturbação adicional. Para além do mais, e partindo do pressuposto da obra de que tudo irá mudar menos os sentimentos, seria de muito mau tom recusar desta maneira a amizade da esferográfica e da folha em branco…

Após um “regresso ao passado” (1950) na sua produção anterior «Já não se escrevem cartas de amor», Mário Zambujal decide “viajar” até ao futuro, em que impera o domínio feminino. É o mundo das ministras, dos secretários, das futebolistas, das operárias da construção civil desbocadas, enfim, um mundo ao contrário daquele a que nos habituámos e que ajudámos a organizar. Por meio de uma cidade repleta de túneis e viadutos, os lisboetas passam a ganhar a vida de roupão e pijama, uma vez que trabalham a partir de casa. Daqui a 30 anos viveremos numa sociedade em pantufas, está visto!
Este livro traduz uma caricatura irónica e bem-disposta daquilo em que se poderá tornar Lisboa, a avaliar pelas atuais tendências, nomeadamente no que se refere ao progresso tecnológico e à decrépita evolução em termos humanos.

Uma trama original e divertida, cujo subtítulo é «Intriga e Paixões no Esquisito Ano de 2044», «Uma Noite Não São Dias» consubstancia uma crónica passível de soltar gargalhadas lá mesmo do fundo. Para tal contribuem descrições, nomes, previsões e até aportuguesamentos de palavras de origem inglesa, “traduzidas” literariamente como retumbam aos ouvidos.

Numa ambiência de mistério encontramos as personagens principais: Antony (historiador), a esposa, Grace, e o amigo James (escultor que só esculpe mulheres nuas em posições exóticas). Estas e outras figuras fazem parte desta deliciosa ficção, em que numa torre habitacional de 98 andares (chamada Avenida Vertical) acontecem dois roubos de monta: um helicóptero do heliporto situado no cume da construção e uma coroa de uma rainha portuguesa na Praça das Artes, nome de uma das praças interiores do edifício. Um apagão vem dificultar o trabalho da comandante Alzira Sidónia e do seu subcomandante, Ernesto. Na sucessão de acontecimentos, um reencontro de amigos, a relação de Grace e Antony, os métodos empregues pelos jornalistas de «O Indesmentível» e um romance escaldante compõem a cena de uma sociedade em que as poucas mulheres que ainda sabem cozinhar têm de seguir livros de receitas centenárias…