
A morte é uma realidade por natureza envolta em sofrimento e, de algum modo, em mistério, não obstante o seu carácter de inevitabilidade para todo o ser vivo. Já diz o povo que «é o que temos de mais certo». Ainda assim, aceitá-la e integrá-la como parte da vida afigura-se uma tarefa árdua e nem sempre exequível sem ajuda, por vezes profissional.
O livro «Morrer é só não ser visto» reúne testemunhos de pessoas que perderam entes queridos e que, sem medos nem preconceitos, expõem sentimentos e emoções a nu. Trata-se da experiência de celebridades e de anónimos, e da força, amor, positividade e esperança que estes iluminados transmitem, sobretudo a quem se encontre no pesado processo do luto.
Esta obra, publicada em 2009 pela editora Planeta, cujo título é retirado de um verso de Fernando Pessoa, não tenciona ser um romance nem uma eloquente dissertação acerca do tema da morte, pretendendo, pelo contrário, mostrar, através de histórias de vida muito concretas, como os intervenientes encontraram, no meio das fragilidades, um sentido para a dor, como se recusaram a render-se à tragédia, os seus diferentes ritmos das várias fases do luto (passadas e presentes), as formas de viver a perda, as estratégias para debelar as desmesuradas saudades, e tantos outros truques e dicas muito úteis e bastante simples.
O desassombro presente neste livro de Inês Barros Baptista contradiz a tese de que a morte constitui o segundo maior tabu das nossas sociedades, logo a seguir ao sexo, e, em alguns casos, ultrapassando-o ou substituindo-o. De facto, a frontalidade e a coragem patentes nesta obra surpreendem e tornam-na única na abordagem da morte e dos segredos da vida, apontando invariavelmente para o transcendente. O excerto que se segue é disso um exemplo: «O luto foi duro, demorado, difícil. Eu tinha trinta e dois anos e o Pyppo estava a um mês de completar trinta e três. A meias, tínhamos uma filha com cinco e um filho a caminho dos dois.
Nunca, até então, a morte tinha sido tão implacável, tão definitiva, tão trágica. De um momento para o outro, deixou-me sem chão, sem marido, sem pai, sem as canções que embalavam o sono dos filhos, sem abraços, sem companhia. E, no entanto, eu sabia – e, acima de tudo, sentia – que o Pyppo não tinha morrido, mas apenas mudado de latitude, de vibração, de frequência, e que, de onde quer que estivesse, velaria por nós.»
Um assunto que aparenta soturnidade e tristeza pode, autenticamente, inspirar sentimentos bons e profundos, desvendando laços porventura mais puros, profundos e perfeitos do que os antecedentes. É engraçado como os três “D” do luto (duro, demorado, difícil) são passíveis de dar origem a estes três “P” (puro, profundo, perfeito), no âmbito do infinito. Afinal, como diz o poeta, «nunca minguem se perdeu, tudo é verdade e caminho».