
África é uma terra de mistério, que convida à aventura, com panoramas e costumes únicos. Quando se fala de África, os que a conheceram ou por lá deambularam manifestam saudosismo, gosto de voltar, eventualmente dor (se a sua experiência se reporta ao período da Guerra Colonial), mas nunca indiferença. Para aqueles que ainda não tiveram a dita de visitar o continente negro, é a curiosidade, o desafio da abundante vida selvagem e a procura de um despertar mais aceso dos sentidos que promove o desejo de aí fazer uma viagem.
Pois bem, Gonçalo Cadilhe descreve a sua jornada de oito meses por quinze países africanos, estendidos ao longo de 27 000 quilómetros. O autor de «África Acima» decidiu seguir o provérbio português que diz «à terra onde fores ter, faz como vires fazer» e recusar aviões e outros meios de transporte mais raros por aquelas paragens para se deslocar de bicicleta, a pé (de mochila às costas), de autocarro (em nada semelhante ao comum dos nossos…), de comboio, de jangada ou à boleia em camiões.
Independentemente do veículo (ou da falta dele), a maioria dos percursos foi feita, invariavelmente, por estradas que só se apelidam assim com uma extrema boa vontade, dado o seu estado. Em muitos casos, os buracos têm um bocadinho de estrada, noutros nem tanto. Seja como for, ao longo das 234 páginas deste livro, o que o leitor vai encontrar não comporta lamentações nem uma exposição pormenorizada de cada padecimento, mas um relato de como a amizade, o humor, a tolerância e a humildade são passíveis de debelar a miséria, a corrupção, os caminhos desfeitos e o calor abrasador.
O livro compila as crónicas semanais escritas por Gonçalo Cadilhe para o jornal «Expresso», publicadas durante alguns meses. Reimpressa em 2007, a obra «África Acima», editada pela Oficina do Livro, introduz quem a lê na emocionante atmosfera africana, tida pelos viajantes mais calejados como o planeta sumamente entusiasmante, e por meio da grande qualidade da escrita é possível sentir em cada descrição um quase visionamento das cenas paisagísticas, uma participação na negociação com os guardas de fronteira, o andar com as gentes de lugar para lugar, a perceção de odores, o viajar por África ao invés de voar sobre África, desde o Cabo da Boa Esperança, no extremo Sul, até ao estreito de Gibraltar, no extremo Norte.
O escritor debita, neste trabalho, 50 000 palavras de sinceridade e deslumbre, de magia e fascínio. Começando pela Cidade do Cabo e terminando em Lisboa, prosseguindo, portanto, de Sul para Norte, esta é uma façanha que inclui uma sucessão interminável dos mais variados sustos, peripécias e surpresas (umas melhores do que outras, claro está), onde não há espaço para a tristeza, que acaba por não ter espaço no contexto de uma aprendizagem sobejamente rica e enriquecedora.