Uma manhã com o Professor José Hermano Saraiva
Era, sem dúvida, uma referência na área da História de Portugal, e recordo-me de ter utilizado algumas das suas obras, durante a minha formação em Arqueologia. Lá na Faculdade, conheci, diretamente ou por leituras, outros grandes vultos da Historiografia portuguesa, mas creio que o Professor Hermano Saraiva seria o mais mediático – e com esse mediatismo, não divulgou somente a História de Portugal, mas também o próprio estudo dessa disciplina.
Alguns anos depois de sair da Faculdade, estava a colaborar com o Museu Nacional de Arqueologia, através do Centro de Emprego, quando soube que o Professor iria realizar um documentário acerca das exposições do Museu. Embora essas gravações fossem ter lugar numa data em que o meu protocolo com o Museu já teria chegado ao fim, ofereci-me para colaborar e acompanhar os trabalhos, até porque era uma altura em que muitos dos colegas estariam de férias e eu, estando desempregado, até tinha tempo disponível.
O Professor revelou uma enorme humildade, não tendo qualquer “tique” de estrela, nem demonstrando qualquer ideia de superioridade, face à equipa que o acompanhava nas filmagens. Ele coordenava os trabalhos, é certo, mas não de modo prepotente. Parecia apenas uma peça na engrenagem, nem mais nem menos importante que todas as outras. E essa mesma humildade usou-a comigo – quase três vezes mais novo e com uma carreira infinitamente mais modesta. Tratou-me de igual para igual, como se eu fosse um colega de longa data, de um modo que sempre recordarei com uma comovedora admiração.
Antes das primeiras filmagens, ele contou-me a história de como tinha conhecido o Professor Leite de Vasconcelos, fundador e primeiro director do Museu. Leite de Vasconcelos era professor universitário e o, então, estudante Hermano Saraiva, foi ter com ele para esclarecer uma dúvida, levantada por, nas suas palavras “uma namorada que eu tinha, na altura”. Infelizmente, o Professor Saraiva não me disse qual foi a pergunta que pôs ao Professor Vasconcelos. Apenas me contou que via o fundador do Museu como a única pessoa capaz de lhe responder, pois era possuidor duma vasta cultura. Vasconcelos respondeu-lhe realmente e, ao agradecer-lhe a resposta, o estudante Hermano Saraiva afirmou que só aquele professor lhe poderia responder, pois sabia tudo! Ao que Leite Vasconcelos contrapôs do seguinte modo: “Não. Eu não sei tudo. E quanto mais estudo, mais me apercebo que sei muito pouco!”
As filmagens correram de um modo fluido e bastante rápido, até. Se bem me lembro, o Professor filmou em três das cinco exposições que o Museu tinha ao público, nessa altura. Antes de cada sessão, ele revia as suas anotações, mas, durante as filmagens, o que dizia, mostrava que era conhecimento de há vários anos, sólido e bem assimilado, já. Na transição entre pontos de filmagem, o Professor apoiava-se no meu braço, ao mesmo tempo que ia debatendo comigo, e escutando a minha opinião, também, acerca dos vários temas que faziam parte do quotidiano de então.
Ao respeito e admiração que eu tinha ao comunicador e historiador, juntou-se uma enorme estima, consideração e respeito pelo ser humano. Uma daquelas pessoas que gostávamos de ver viver para sempre.
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Comentários ( 2 ) recentes
- Vicente
18-08-2014 às 06:29:58Adorei a abordagem do texto desse renomado professor, o José Hermano Saraiva. Muito bom e ele é bem famoso!
¬ Responder - Jovita Capitão
17-09-2012 às 23:27:22Partilho do teu sentimento em relação ao Professor Hermano Saraiva. Era realmente uma pessoa notável!
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