Sobre amores e dores
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Tudo acabado. Onde estavam as juras de amor eterno? Para onde teriam ido os planos acalentados com tanto enlevo para o futuro? Tudo ilusões. Areia. Pó. Nada. Por que os seres humanos insistem em acreditar em quimeras? Em construir castelos de areia, frágeis, derrubados à primeira onda – às vezes à primeira brisa?
Ela poderia ter discutido. Gritado. Batido. Exacerbado sua dor e frustração tentando, de alguma forma, compensar o despedaçamento que sentia. Mas, no fundo, sabia que isso não seria suficiente. Talvez servisse para aplacar a Fera do Desgosto, mas apenas por um tempo. Ela ficaria quieta, à espreita, apenas esperando uma nova oportunidade para escapar e destruir. E ela já tinha destruição demais em sua vida para continuar a acumular mais destroços e cacos afiados.
Ela poderia ter se vingado. Feito o mesmo. Escondido. Encoberta. Só por ela sabido. Ter nos lábios o gosto da vitória por saber poder infligir no outro o mesmo desgosto, a mesma mágoa, o mesmo rancor que agora a consumia lentamente. Mas ela também já provara deste fel. E só lhe restara pesar e arrependimento pelo líquido ardente que, ao ferir o outro, também a deformava.
Ela poderia ter aceitado. Por que não? Colocado uma pedra em cima. Deixado que virasse passado. Uma a mais dentre as tantas lembranças amargas que conservara ao longo dos anos, para ser revista nos baús da memória apenas de relance, e novamente encoberta e escondida. E ela bem que tentara. Não seria mais fácil? Fingir que nada acontecera e continuar com a vida? Deveria ser a solução mais simples.
Deveria. Mas não foi. Assim como a Fera do Desgosto, a Fera da Insegurança falara mais alto. E se se repetisse? E se estivesse se repetindo agora? E se não tomara a decisão correta? E se estivesse sendo impiedosamente enganada? E se seu infortúnio íntimo fosse a chacota do público, ciente – até por demais – do que deveria ser só seu, privado?
E se, e se, e se, e se ... e se esvaíra-lhe o sono. E já não lhe incomodava a fome. E já pouco sentia o toque do frio, o calor do sol, a firmeza do chão. E já não era mais ela. Era o Monstro – ou os monstros – carnívoro, faminto, criando e alimentando pensamentos irracionais e doentios, a circular de forma incoerente e desconexa na cena de sua tela mental. Por certo, enlouqueceria. Sofrimento, eis o nome do seu novo algoz.
E então ela partira. Não com grito. Não com quebra. Não com palavra acre, usada mais para retalhar do que para exprimir. Não com o descontrole. Não com o choro, a dor escorrendo em lágrimas e muco. Singela. Simples. Explicada. Partida. Para onde? – Se perguntara ela. Para onde estava indo ela agora que tudo se acabara?
Sabia a resposta, mas esta não a agradava. Afinal, já havia feito esta viagem. Quando o outro transforma-se em nossa metade, no momento que ele se vai, a dor que se sente é a de uma amputação. E há de levar-se um tempo para acostumar-se sem. E, enquanto isso, ela mais uma vez visitaria os recônditos de seu ser. E sabia que lá podia ser escuro. E frio. E muito, muito vazio.
Ela não sabia. E, sem saber, ela seguiu. Por que ela escolhera seu caminho. E de uma coisa sabia: teria que arcar com as consequências de suas escolhas. Todos nós temos. Para onde ela irá? Não sabe também. Mas de uma coisa tem certeza: desta vez, não vai olhar para trás.
Veja na Rua Direita
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