Leonardo da Vinci – Privacidade Obscura
É sabido o seu repúdio pelas relações físicas, carnais, sexuais. Da Vinci proclamou o ato de procriação e qualquer coisa que tenha qualquer relação com ele como algo tão nojento ou repugnante que os seres humanos em breve morreriam se não houvesse rostos bonitos e disposições sensuais.
Freud tentou interpretar esta atitude face ao lado mais básico da condição humana como frigidez. Seria Leonardo frígido? Honestamente, não parece crível. Um homem tão talentoso e tão universal, sensível ao seu redor, não ‘encaixa’ no perfil frígido. Ele seria emotivo, expansivo, só que dentro do seu próprio universo. Não nos esqueçamos do seu lado artístico e apreciador da beleza enquanto potenciador de emoções.
O alegado amor de Leonardo por rapazes foi um tema de discussão, gerando polêmicas, mesmo no século XVI. Em "Il Libro dei Sogni" (O Livro dos Sonhos), um diálogo fictício sobre l'amore masculino (homem do amor), escrito pelo crítico de arte contemporânea e teórico Gian Paolo Lomazzo, Leonardo aparece como um dos protagonistas e declara: "… o amor masculino é exclusivamente o produto da virtude ". No entanto, o que pouco se conhece, muito se critica. A timidez, a riqueza de génio e uma inteligência superior terão sido alvo de várias invejas, umas mais influentes do que outras. As mais influentes trataram de traçar um retrato pouco abonatório do Grande Leonardo. Mesmo assim, considerando Leonardo homossexual, essa tendência contraria a própria interpretação freudiana.
O único documento histórico sobre a vida sexual de Leonardo é uma acusação de sodomia feita em 1476, enquanto operário na oficina de Verrocchio.
Os registos do tribunal florentino mostram que, em 9 de abril de 1476, uma denúncia anônima foi deixada numa caixa de correio, no Palazzo della Signoria (Câmara Municipal), acusando um jovem ourives e prostituto, Jacopo Saltarelli (por vezes referido como modelo de um artista) de ser "parte de muitos assuntos miseráveis e consentimentos para agradar as pessoas que solicitam tal maldade dele." A denúncia acusou quatro pessoas de sodomizar Saltarelli: Leonardo da Vinci, um alfaiate chamado Baccino, Bartolomeo di Pasquino, e Leonardo Tornabuoni, membro da família aristocrática Tornabuoni. A acusação sobre Leonardo não passou disso mesmo. A sodomia era teoricamente uma ofensa extremamente grave, levando à pena de morte, mas o episódio tornou-se difícil de provar. As denúncias falsas eram bastante comuns naquela época, especialmente por meio do anonimato perpetradas por inimigos, e tal pode ter sido o caso aqui. A sodomia também era uma ofensa para a qual o castigo foi muito raramente aplicado na Florença contemporânea de Leonardo, onde a homossexualidade era suficientemente difundida e tolerada.
Os relacionamentos de Leonardo com jovens, ainda que denominados seus amigos seguem o padrão de aprendizagens erotizadas que eram frequentes na Florença da época. Mestres e aprendizes desenvolviam relações muitas vezes amorosas e de cariz sexual. Leonardo teve muitos outros amigos que são figuras agora reconhecidos nas suas áreas de conhecimento ou pela sua influência na História. Estes incluíram Cesare Borgia e Niccol Maquiavel.
No entanto, a relação mais longa que terá provocado grandes interrogações e suspeições acerca da sexualidade de Leonardo envolve Gian Giacomo Caprotti da Oreno, apelidado Salai ou il Salaino, descrito por Vasari como "um jovem gracioso e belo, com cabelos bastante encaracolados, e que agradava muito a Leonardo". Il Salaino entrou em casa de Leonardo em 1490 com a idade de 10. Leonardo ‘adotou-o’ arrancando-o do seio de uma família criminosa.
O relacionamento entre os dois não terá sido fácil. Um ano depois, Leonardo fez uma lista dos defeitos de Salai, chamando-o de ‘ladrão, mentiroso, teimoso, e glutão’. Este ‘pequeno diabo’ terá abusado de valores e de dinheiro pelo menos em cinco ocasiões, gastando uma fortuna em roupas e acessórios, entre os quais se contariam vinte e quatro pares de sapatos.
Note-se que il Salaino manteve-se seu companheiro, servo, e assistente durante trinta anos. Os cadernos de Leonardo contêm mesmo imagens de um jovem bonito, adolescente de cabelos encaracolados. Ele terá inspirado Da Vinci em obras como aquela mais reconhecida em todo o mundo: a Mona Lisa.
O amor pela natureza, o apelo da música, a pintura, a capacidade inventora e o amor pelos animais (daí o ter sido vegetariano, o que era fato notável para a época) fazem de Leonardo da Vinci um gênio único, avançado no seu tempo, exposto pela sua inteligência e arrojo, cujo lado misterioso, preservado e por isso mais sombrio, se tornará eternamente um alvo da curiosidade dos comuns mortais.