Despertar
Confortavelmente sobre este divã
Observo cada um dos objetos a minha frente
Transcendo meus dedos sobre as pequenas regiões
Deste tecido levemente aveludado
De forma que não precise mover meu corpo completamente
Confortavelmente sobre este divã...
Lembro-me de meus dias de caçada
Já não durmo mais desde que renasci
As infindáveis dores consumiram meu interior
Vejo que estou só, mas será realmente?
Meu corpo parece despencar num abismo
Mesmo que eu sabia que ainda me encontro deitada
Tudo está sobre uma forte penumbra
Vejo velas, cruzes e armaduras
É estranhamente familiar a construção gótica diante de meus olhos
Sinto cada nova sensação que o ambiente proporciona
Meus pensamentos ainda confusos...
São vozes demais em minha cabeça
São vozes e imagens de pessoas e lugares
Isso me perturba, o que aconteceu?
Quero correr, correr e não parar
Minhas mãos tremem e não consigo movê-las
Tento ver algo que me leve a reconhecer onde estou
Percebo que não me sinto mais tão só
Os caminhos parecem mudar
Ouço o ar ser cortado por alguém que passa
Mas como percebi isso? Não é possível
Quem está ai?
Por favor, não sei o que fazer
Meus olhos ardem como chamas a envolver uma fogueira
Estou sentindo minha pele também arder, mas não é fogo
Ela gela e meu corpo se contrai
Tanto que o divã já parece pequeno para mim
Estou procurando quem está comigo
Ouço passos que são tão leves quanto os meus
Minha cabeça confusa, o meu corpo em chamas
Meus olhos em brasa e minha garganta seca
Tenho sede e quero que ela passe, mas não sei o que faria isso
Sedenta... essa é a palavra que me define
O vento grita quando passa pelas amplas janelas
E as imensas cortinas vermelho-sangue dançam lindamente
Como se estivesses em um baile de gala
Vejo um lustre, belo lustre de diamantes
Pendurado sobre o salão em que me encontro
Percebo uma silhueta, longa e elegante
E ela espera que eu me levante
Tento erguer-me, mas meu corpo não obedece aos comandos
Torno a olhar a imagem obscura a minha frente
Sinto a retribuição de seu olhar
E meu corpo é lançado como sobre efeito de uma força invisível
Levando-me a caminhar como um felino ao encontro da sombra
As luzes não favorecem, pois mal consigo vê-lo
Aproximo lentamente, ainda com receio
Mas sinto que posso confiar em quem quer que seja ele
Percebo que não respiramos
Paramos e nos olhamos
Ainda sem reconhecer as faces que estão sob efeito da fraca iluminação
Vejo os fatos desenrolarem
Analiso a situação e meus pensamentos se perdem
Quando subitamente ele corre em minha direção
Como se dançasse, sem manifestar grandes esforços
Aproxima-se encostando seus frios lábios em meu pescoço
E seu hálito atravessa meus tímpanos suavemente
Quanto profere apenas: “Enfim você acordou!”
E então me recordo de onde e com quem estou.