Antes que seja tarde 3º capitulo
Heráclito
30 De maio de 2005
Rejeitada, ensina ao seu coração o seu novo rumo. Vai deixar que o seu coração siga o seu devido rumo e valor. Mafalda acaba por desistir. O seu matrimónio não tinha chama. Apenas cinzas inertes no chão, impossíveis de voltar a ser o fogo que outrora ardeu. Não queria saber do que Rafael queria. Ela fartou-se da vida sem sal, mais que amarga nos últimos tempos. Tempo demais para voltar a ser feliz ao lado do homem com quem casara há onze anos. Era um casamento infértil, sem frutos a colher.
Digam o que digam, quem manda é o coração.
-Que e que estas a fazer? – Pergunta Rafael ao entrar em casa e a ver Mafalda no móvel de madeira de pinho retirando os livros de capa dura para uma caixa de papelão.
-Vou manda-los para a lavandaria! Que te parece?! Os livros são meus estou a polos nas caixas. Pertencem-me! – Responde Mafalda sarcástica revoltada pelos anos de casamento falidos enquanto fechava mais uma caixa e a levava para ao pé da porta.
-Mas que se passa contigo? Estás doida? – Questiona-lhe tirando o casaco pendurando-o no cabide.
- Passa-se que o nosso casamento acabou! Estou farta de tropeçar nos teus dramas, nos dias sem te ver, nas noites em que me deixas sozinha na cama! Passas dias e dias sem dizer nada, na rua a vaguear como um sem-abrigo! O meu amor por ti morreu há já muito tempo!
Mafalda fecha mais uma caixa, passa a frente de Rafael estático e mudo. Deixa mais uma caixa a beira da porta. Rafael não tinha reacção, não estava a espera do que estava a ver.
- Durante esta semana vou levando as minhas coisas. Tudo o que em meu vem comigo! E espero que o divórcio seja rápido! Quero sair da tua vida o mais rápido possível. Fiz as malas do meu coração, porque se isto é amor… Desisto!
A porta fecha-se com tanta força que o barulho ecoa pela casa toda e arranca o hipnotismo de Rafael. Fecha os olhos, recorda todos os momentos ao lado de Mafalda. Sente a força de anos, agora sufocados pelo tempo que apagou a felicidade de outrora. Rende-se ao presente, ao fracasso, ao despedaçar da sua existência.
Afonso desperta. Ouve um leve som do trânsito. Das pessoas a passar, a falar, a gritar, a mexericar… Sente o calor da luz que atravessava as janelas panorâmicas do 8º andar. O lençol estava a cobrir o seu tronco deixando o resto desprotegido. Esfrega o nariz na almofada, sente o aroma do seu corpo impregnado, apenas o seu e não outro. Estica o seu braço como quem procura encontrar alguém dormindo ao seu lado. Mas naquela cama, naquele sítio estava ele e apenas ele. Sente-se apesar de tudo vivo, não quer dias cinzentos, quer sentir o que sente o coração.
Abandona a cama já tarde. Sente-se a começar a ficar mais frágil, sente o pesar dos movimentos, de respirar, de viver. O tempo estava a passar e não deixavam uns míseros segundos para pensar o que havia ainda para fazer.
Lembra-se da criança que vira na praia. Ficara com aqueles olhos pequeninos a brilharem para si na sua cabeça. Olha para a sua casa enorme. Um T2 de luxo, um carro novo, montes de dinheiro e ninguém a quem deixar tudo o que construiu numa vida. Trabalhara uma vida toda para preencher o vazio que sentia no coração. Encosta-se ao vidro. Abre a mão no vidro quente dos raios de sol, olhava para o dia do restante mundo a sua volta. Os homens de fato que corriam com o telemóvel preso na orelha, as senhoras que levavam os seus filhos e lhe davam indicações, os idosos lentos da correria, o trânsito caótico e sem tempo a perderem.
-Isto e para por no meu carro! Imediatamente! – Manda Mafalda aos homens das mudanças.
Olha para a casa que outrora fora sua. Os momentos que passar la. Mas era tempo de olhar para a frente.
-Uma mulher como eu merece mais! – Diz para si vendo a foto do seu casamento. Agarra-a entre as mãos. O seu sorriso imortalizado daquele momento, uma mulher jovem que não sabia o seu futuro. Hoje olha para si aos trinta e sete anos. Já não era a jovem que se casara há onze anos atras. Rafael permanecera quase inalterado no tempo. Mas apenas por fora que por dentro apodrecera. Tornara-se um homem que se desligara do casamento. Deixara de ser amor. Mafalda apenas sentia pena do seu marido. O tempo trouxe-a ate ali. A sua vida mudara como o vento, agora o caminho era novo. Sentia-se bem neste novo rumo e apenas queria apagar os anos vividos ao lado de um homem que não lhe deu valor. Os seus dedos apertam a moldura, a fúria de um casamento falhado e os anos perdidos. Era o que sentia.
-Senhora esta tudo carregado. – Diz-lhe o rapaz ainda novo.
-Só um minuto, eu vou na frente com o carro. – Fala Mafalda fixada na foto do casamento. Chora pelos momentos infelizes, das promessas falhadas, como se o sol dos seus dias não nascera nos últimos anos. Atira a moldura ao chão. O vidro quebrasse tal como a união que tinha com Rafael. Com o salto do seu sapato desfaz ainda mais os vidros.
-Ainda tenho planos de ser feliz! – Grita no espaço quase vazio e sai daquele lar sem intenção de la voltar jamais.
O dia ficou cinzento, perdeu a cor que mostrara pela manha. As nuvens apagaram os raios de sol, taparam a luz do dia. Parecia que o céu ia cair e desfazer-se em água. Mesmo assim Afonso resolve voltar a praia. Ver o mar novamente, sentir de novo a felicidade daquele sorriso de criança.
O mar estava mais agitado que no dia anterior. Afonso descia as escadas de madeira clara desgastada pela passagem do tempo. As ondas rebentavam nas rochas mesmo ao lado, beijavam a areia na sua frente com ansiedade, indo e vindo numa corrida mais rápida que o normal. A praia estava deserta, a areia perdera o brilho, o mar estava mais obscuro. Afonso rodopia em si mesmo buscando alguém. Observa a solidão de si mesmo. Sentia-se mesmo sozinho naquela paisagem sem cor e sem brilho. Cada vez mais negro o céu, deixa escorregar umas gotas que começavam a cair, levemente caiam e pesavam na área fina, fundiam-se na espuma que rebentava nas rochas e seguia as ondas que molhavam os pés descalços de Afonso. A chuva começa a cair mais forte. Abre o guarda-chuva que trouxera consigo, já prevendo que o tempo mudasse. Fica quieto debaixo dele apreciando a chuva a cair sobre o som das ondas e o embate no objecto preto que protegia Afonso. A chuva começa a tornar-se cada vez mais intensa. Afonso começa a andar na direcção oposta do mar. Sente um suspiro gelado pelo seu corpo.
A mulher abriga-se debaixo do guarda-chuva de Afonso. Respira ofegantemente tentando recuperar o folego. Olha para Afonso com os seus olhos azuis-escuros como o céu naquela tarde e transmitiu:
-Obrigado por ter esperado.
-Não tem que agradecer! – Diz-lhe Afonso olhando para ela debaixo daquela chuva intensa.